sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A grandeza de uma boa notícia e a pequenez de uma pessoa

Trabalho numa loja, numa das ruas mais movimentadas da minha cidade. A mais bonita. Fica em frente a uma escola secundária. Como trabalho no rés do chão e a porta é de vidro, ouço tudo o que se passa na rua. O que quero e o que não quero. Hoje então, ouvi algo que não esperava. Umas miúdas conversavam na rua sobre coisas de miúdas, ok tudo bem. Até que o assunto chama a minha atenção. 

Passou-se assim:
- Ya, tipo, já souberam? Agora os maricas podem adoptar uma criança. 
- Ai sim?
- Ya, já viste? Eu acho mal, que horror. O puto vai ficar com bué traumas. Vai ser gozado na escola. Ah como é que se passa o teu pai? António. E a tua mãe? António também. Tipo, não tem nada a ver...
- Ai é?


Nunca gostei muito de sermões e lições de moral, não acho que tenha o direito ou a autoridade de os dar a alguém. Mas não deu, não consegui ficar quieta. Sinto a nascer em mim a vontade de sair e ir ter com elas, falar com a criança que estava a debitar tamanhas alarvidades. Quando dou por mim lá estou lá fora. A conversa continua.

- Tipo, essas crianças vão ser bué gozadas na escola, não vão ser normais. 

As duas amigas que a estavam a ouvir ou não tinham opinião formada sobre o assunto ou não tinham coragem de a expressar. A conversa segue para outros assuntos e o tópico é a altura da menina que acha mau os "maricas" poderem adoptar. Queixa-se que é baixinha de mais, tem só um 1,47m, vejam lá que chatice. Elas apercebem-se da minha presença, mas continuam a conversa.

Despede-se das amigas e começa a ir à sua vidinha. E depois sai-me:

- Deixa lá, pode ser que ainda cresças mais um bocadinho. 

Ela ri-se para mim, até é simpática e educada. Começamos a falar e pergunto-lhe:

- Posso dizer-te uma coisa? Espero que não me leves a mal, mas vocês estavam a falar e aqui no meu trabalho ouve-se tudo o que se passa na rua. 

Peço-lhe que pense o que seria melhor, uma criança ter um pai António e outro pai António ou na escola perguntarem a essa mesma criança como se chamam os pais e ela responder que não sabe, porque vive num orfanato ou num lar. Ela responde que é chato porque vão gozar com ela. Sem a ofender a ela e à amiga, que entretanto não foi embora, porque se apercebeu que eu estava a falar com ela, pergunto se na escola dela ninguém goza com ninguém. E conto-lhe que quando eu andava na escola ( aqui senti-me velha, quando me ia saindo a frase " no meu tempo" ), havia muito poucos meninos pretos e os que havia eram gozados só por isso, pela cor da pele. A amiga que estava a ouvir é preta. Continuo com outro exemplo. Uma das minhas amigas era gorda e era gozada por isso. A menina de 1,47m de magra também não tem nada. Dou-lhe mais uns exemplos de situações actuais, nas quais elas se podem rever. Digo-lhe portanto que a possibilidade de uma criança ser gozada não serve. Vai ter uma família e isso é mais valioso. Depois peço-lhe para imaginar que uma das amigas dela até gosta de raparigas e um dia mais tarde quereria formar uma família e não a deixavam. Pergunto-lhe se acharia justo não o permitirem à amiga. Responde-me que a irmã dela vive com uma mulher e está feliz. 

Resumindo, concluindo e baralhando? Não faço ideia se o sermão que dei à miúda caiu em saco roto ou se lhe mudei a maneira de pensar sobre isto. 

Eu cá estou feliz porque, caso queira, a irmã desta miúda poderá construir uma família com quem quiser. Estou um bocadinho mais orgulhosa de Portugal.  





terça-feira, 17 de novembro de 2015

Afinal só precisava de começar a escrever

É tudo aquilo que escrevi e também é isto:


Na sexta feira senti, principalmente, tristeza. Muita tristeza. Por cada vida que se extinguiu prematuramente às mãos de gente cujas motivações não consigo entender e me recuso a entender. Mas é preciso fazer um esforço. Há, pelo menos, que tentar entender o que querem causar com estas acções, e fazer exactamente o contrário. Querem-nos aterrorizados, fechados em quatro paredes, com medo de fazer uma vida normal, apanhar um transporte para o trabalho, ir tomar um café, ouvir uma banda, viver com a despreocupação e leveza das pessoas normais? Respondamos "não". Querem fazer-nos crer que está em curso uma guerra civilizacional, em que somos nós contra eles, que temos de pegar em armas para sobreviver, que há que retaliar, e com as mesmas armas, a mesma violência, antes que eles nos exterminem? Gritemos "não". Querem despertar-nos o ódio pelo outro, pelo diferente, pelo estrangeiro? Mais um "não". Querem que tranquemos as portas a todos os que, também em desespero, nos procuram como abrigo? Simplesmente: não. Querem-nos despir da alegria, ver-nos sucumbir ao medo irracional, recusar o abraço, a empatia, a humanidade? Definitivamente, "não". Não ao ódio, à vingança, à desconfiança. Não, não serei refém voluntária desta gente. Não, mil vezes não. E não me tornarei o reflexo deles, mil vezes não.E, no meio dos relatos de horror, há algo que sobressai e sobreviverá: a solidariedade de gente anónima, o apoio de pessoas que abraçaram, consolaram, salvaram até outras pessoas. Aí sim, está a resposta. Tantos exemplos.Quanto aos outros, repito e subscrevo John Oliver: fuck these assholes.

Lido e secundado em Carências Efectivas.

E haverá mais para escrever. Assim encontre as palavras certas.

Agora que o nó começava a desfazer-se

Fui a Londres em Outubro. Não me estava nada a apetecer. Mas era a viagem de sonho da minha mãe e ela não queria outra companhia que não a minha e da minha irmã. Claro que fomos. Ia com expectativas muito, muito em baixo, não planeei a viagem, os pontos a visitar, fui com a minha mãe e fiz-lhe as vontadinhas. Não havia nada que eu quisesse ver, mas não esperava era que houvesse algo que eu não quisesse ver. Pedidos, constantes e repetidos. Atenção a sacos esquecidos e sozinhos. Não deixe a sua bagagem sozinha. Se vir um saco abandonado, avise as autoridades IMEDIATAMENTE. E só aí é que me lembrei. Houve um atentado em Londres. Aqueles animais mataram gente aqui nesta cidade linda onde eu estou agora. 
Aqueles acontecimentos deixaram de existir só na tv, nos noticiários, nas partilhas das redes sociais. Eu estava no palco daquela tragédia. Sei lá eu se me cruzei com algum sobrevivente, com algum familiar de uma vítima. Sei lá eu se pisei chão reconstruído depois da destruição. Fiquei realmente encantada e apaixonada pela cidade onde cheguei sem vontade. Regressei a casa com vontade de lá voltar, com outra disposição. Mas trouxe comigo uma nova angustia, uma coisa que nunca tinha sentido. Não foi medo. Não foi ódio. Não foi descrença. Foi um murro no estômago. Ver as coisas acontecer na televisão é uma coisa. Estar lá, mesmo depois de tudo limpo, reconstruído, reciclado e de cara lavada mexeu comigo. Ainda não percebi bem o que mudou. Mas algo mudou. Depois de 13 de Novembro, tenho ainda mais vontade de conhecer Paris. Se vou ter medo? Talvez. Mas vou. Eles não vão ganhar. Tal como a carta de um homem que perdeu a mulher diz, eles não terão o meu ódio. E quero mostrar como se vive feliz, com Amor, com o Bem. 

terça-feira, 3 de novembro de 2015

A vida depois de decidir ter um cão

Como é que está a ser a vida com a cadelinha? Um teste à minha paciência. Mas hoje estava no trabalho e no meio da chuva e das nuvens apareceu um bocadinho de sol e dei por mim com vontade de vir para casa brincar com ela.